sexta-feira, 1 de março de 2024

Sessão nostalgia

 






Lá vão as duas irmãs pela rua da pequena cidade. 

Pessoas vão e vem, aproveitando a tarde amena.

Ao passar pela rua onde morou por mais de sessenta anos, a irmã mais velha sente saudade.

Saudade da casa onde morou, onde criou seus filhos, onde se despediu dos seus pais, do seu irmão, de um netinho. Onde passou por momentos difíceis como enchentes e por momentos felizes como os churrascos em datas importantes. Através da pequena abertura que há no portão da velha casa, ela vê a sujeira ao redor e pensa que ali naquele quintal seus familiares tomaram banho de chuva e de mangueira para se refrescarem nos dias quentes. Aquele quintal foi a varanda para os bate papos nas tardes tranquilas. Para ela estar ali lembrando dos momentos bons era como revisitar uma parte feliz que mora nela. Enquanto as duas irmãs caminhavam a mais velha ia relembrando dos antigos moradores. Algumas casas foram destruídas. Outras estão velhas ou abandonadas.

Ah, que saudade de quando podia receber as suas visitas, de conversar com os conhecidos que por ali passavam e paravam no seu portão ou adentravam.

Saudade de ir até o mercado, padaria ou sacolão que ficam bem perto.

Saudade até mesmo do barulho da rua nas noites de finais de semana.

A sua antiga casa ainda continua lá, solitária, sem ecoar o som das vozes ou das risadas. 

A sua antiga casa continua lá, sem testemunhar o choro nos momentos de melancolia.

A sua antiga casa continua lá, abrigando os insetos.

Quem nela fará morada?

Será ela derrubada?

As lembranças de tudo que ela viveu e vivenciou naquela casa, naquela rua, estarão sempre guardadas na sua memória e no seu coração.

As lembranças ruins serviram de aprendizado.

Muitos vizinhos também abandonaram aquela rua.

Mas, outros, ainda continuam lá.

A sua casa era velha, porém, era a sua casa, o seu lar, ela sentia prazer de limpar e arrumar. Outro prazer era fazer alguma comida e chamar os familiares para comer. Podia receber os amigos a qualquer momento para tomar um café e jogar conversa fora.

A lembrança mais remota foi da época em que ali não existia uma rua, era somente um caminho ladeado por goiabeiras e outras árvores. A sua casa foi a segunda naquela localidade. Ali nasceram dois dos seus quatro filhos. A roupa era lavada no rio de água limpa e cristalina. O rio, onde não só eram lavadas roupas, mas era possível tomar banho e até mesmo pescar de vez em quando. No seu quintal havia uma ameixeira e um chapéu de sol, que sombreava um banco onde as crianças se sentavam para brincar. Com o passar do tempo a rua foi aberta e ganhou novos moradores, novos vizinhos. Muita gente passou por ali, alguns deixaram saudades. De alguns ela lembra dos nomes, outros ela lembra de fatos marcantes. A música que um dos vizinhos cantava ela lembra de cor.

Meu romance (Orlando Silva)

Embaixo daquela jaqueira

Que fica lá do alto majestosa

De onde se avista a turma da Mangueira

Quando se engalana com suas pastoras formosas

Ai, foi lá, quem é que disse?

Que o nosso amor nasceu

Na tarde daquele memorável samba

Eu me lembro, tu estavas de sandália

Com o teu vestido de malha

No meio daqueles bambas

Nossos olhares cruzaram

E eu para te fazer a vontade

Tirei fora o colarinho

Passei a ser malandrinho

Nunca mais fui a cidade

Pra gozar o teu carinho na tranquilidade

E hoje faço parte da turma

No braço eu trago sempre o paletó

Um lenço amarrado no pescoço

Eu já me sinto um outro moço

Com o meu chinelo charló

E até faço valentia

Retiro samba de harmonia

Fonte: Musixmatch


A rua era tranquila, as crianças podiam brincar sozinhas sem medo. Mais tarde o comércio chegou ali. No início era apenas um armazém, com o passar dos anos seu pai abriu um estabelecimento pequeno e havia, na frente da sua casa, um sacolão.

Ali, naquela casa, ela passou a maior parte da sua vida. Vivenciou muitas coisas, teve um relacionamento longo com o seu companheiro, foi feliz.

Das árvores que ladeavam a rua antigamente permaneceu uma mangueira, que resiste ao tempo com toda a sua imponência.


Há um estacionamento quase em frente da sua antiga casa. Ali, ela e o filho se sentavam sobre a mureta para papear ou ver o bisneto brincar. Quando os familiares a visitavam era naquele espaço que gostavam de ficar conversando nos dias calorosos.

Aquele rio de água limpa e cristalina passou por muitas enchentes, enchentes grandes que quase cobriram a casa de seus pais e parte da sua e enchentes menores, que se aproximaram da rua. Atualmente a água é suja e poluída. Os peixes morreram. O rio só enche nos períodos de muita chuva, mas não alcança mais a sua antiga casa.

Hoje ela não é mais dona de uma casa, ela é dona apenas de uma suíte.

A casa onde mora é de um dos seus filhos.

Ela é amada, muito bem tratada, mas sente falta da sua casa, da sua independência. Assim é a vida, chega uma hora em que a pessoa se dá conta de que não é mais dona de nada a não ser das suas lembranças.


Obrigada pela visita,

Cidália.

 

 

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Recordar é viver

 


Um passeio, numa tarde de sábado, para relembrar o passado. Um passado longínquo. Uma época em que o melhor a fazer, num final de semana, era visitar os tios que moravam no sítio (zona rural). Comer bolinho de chuva, andar de trator com os primos, molhar os pés no rio ou ouvir as histórias contadas pelo tio eram as melhores diversões. Um lugar tranquilo, visitado e enaltecido por alguns artistas que passaram pela pequena cidade para gravar um filme. Todos que por ali passavam eram recebidos com alegria e se sentiam bem naquele ambiente simples e agradável.

De repente os três se dão conta de que o caminho para a casa dos tios está diferente.

Cadê a casa? Aquela casa que ainda permanece viva na lembrança dos três?

Tudo está diferente.

O que fizeram com aquela casa? A casa que outrora fora um lar. Um lar repleto de vozes, de sorrisos, de amor, de alegria. Uma casa onde era possível ouvir o coaxar do sapo, o canto dos pássaros ou ver as galinhas ciscando o terreiro rodeada pelos pintinhos.

Aquela casa ainda está lá. Deteriorada pelo tempo, a casa foi reformada e se tornou um espaço para recreação. Agora, naquele lugar tem até uma piscina. Ali são realizadas algumas festas.

O herdeiro se fora no primeiro ano da pandemia. A viúva seguiu adiante, precisou reorganizar a sua vida. Vendeu aquela casa.

Para os três a casa vai continuar em suas lembranças.

Não se vive do passado, mas as recordações de um período que não volta mais fazem parte das memórias colecionadas ao longo do tempo.

Não existem fotos, apenas a lembrança que permanece na memória de cada pessoa que ali esteve. De cada pessoa que vivenciou ótimos momentos com aquela família. De cada pessoa que comeu um bolinho de chuva na hora do café. De cada cada pessoa que recebeu um carinho dos donos daquela casa, seja em forma de um abraço ou em forma de um afago.

- Mecê porte, assim era o jeito do casal convidar alguém para entrar e tomar um café.

Houve uma época em que Ana, Brasílio, Maria, Frutuoso, Rosa, José, Miguel, Idalina, Nascimento e Amélia existiram.

Hoje, eles existem apenas na memória dos seus descendentes, assim como aquela casa que um dia foi o lar de uma família feliz.

Aquele lugar tornou-se uma vila e ganhou o nome do patriarca da família. Ali, ainda moram alguns familiares. 

 

A GENTE VAI EMBORA, se dissolve, a gente some, toda nossa importância se esvai, essa importância que pensávamos que tínhamos..., a vida continua, ela segue, as pessoas superam e vão seguindo suas rotinas. 

A GENTE VAI EMBORA, as brigas, grosserias, impaciência, infidelidade, tudo isso serviu para nos afastar de quem só nos trazia felicidade e amor. 

A GENTE VAI EMBORA e o mundo continua assim, caótico, muito louco, como se a nossa presença ou ausência não fizesse a menor diferença. Aqui entre nós, não faz. Nós somos pequenos, mas nós somos arrogantes, prepotentes, metidos a besta.

A GENTE VAI EMBORA. E é bem assim: Piscou, num estalo, a vida vai. O cachorro que eu amo tanto, ele é doado. O cachorro se apega aos novos donos. Os viúvos se casam de novo, eles andam de mãos dadas, apaixonados e vão até ao cinema.

A GENTE VAI EMBORA e nós somos rapidamente substituídos naquele cargo que a gente ocupou na empresa. Nós somos substituídos no outro dia. As coisas que nós nem emprestávamos são doadas, algumas jogadas fora.

Quando menos a gente espera, A GENTE VAI EMBORA. Aliás, quem é que espera morrer? Se a gente esperasse pela morte, talvez a gente vivesse mais. Talvez a gente colocasse nossa melhor roupa hoje, talvez a gente comesse a sobremesa até antes do almoço. Talvez a gente esperasse menos dos outros. Talvez a gente risse mais, saísse à tarde para ver o pôr do sol, talvez a gente quisesse mais tempo e menos dinheiro.

Hoje o tempo voa, amor. A partir do momento em que a gente nasce, começa essa viagem, essa jornada fantástica veloz com destino ao fim, rumo ao fim - e ainda tem aqueles que vivem com pressa! Eu ainda tenho pressa! O que é que eu estou fazendo agora com o tempo que me resta? Que possamos ser cada dia melhores. Que saibamos reconhecer o que realmente importa nesta nossa breve passagem pela Terra. Só isso. Até porque, A GENTE VAI EMBORA. (Texto copiado da internet)

 

 Obrigada pela visita,

Cidália

 

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Era uma vez



Era uma vez, há muito tempo atrás, dois irmãos aconchegados dentro de uma caixa de papelão, a Nina e o Nick. 

No apartamento havia muitas caixas. Seus donos estavam se mudando. Cada um iria para um novo endereço. O relacionamento deles chegara ao fim.

Sem entrar nos pequenos detalhes, os irmãos Nick e Nina ganharam um novo lar. Um lugar espaçoso, um quintal para tomarem sol.

Lá, os irmãos tiveram que se entrosar com o pequeno cachorro e mais alguns gatos da família.

No início, assim que chegaram e saíram da gaiola sentiram-se deslocados, estranharam a nova casa e os outros animais.

Nina e Nick ficavam sempre juntos, não se largavam. Ela havia sido castrada. Os novos donos mandaram castrar o Nick.

Com o passar do tempo os dois irmãos foram se familiarizando com os outros gatos.

Na vizinhança existia alguém, segundo os boatos, que não gostava de gatos. Se algum gato chegasse no seu quintal, era envenenado.

Infelizmente, foi assim que aos poucos os gatos, do casal, foram desaparecendo. Um a um. Não tinha como impedi-los de subirem sobre os muros ou telhados da vizinhança.

A Nina, apesar de ter se aventurado uma noite, voltou sã e salva.

A partir daquele dia ela se tornou caseira, se arriscando a andar pelo jardim somente na companhia da sua dona.

O que aconteceu naquela noite que a deixou medrosa?

O Nick, infelizmente, assim como os outros gatos, também se foi. Ele era um gato curioso, aventureiro.

Por muitos anos ficaram apenas o pequeno cachorro e a Nina.

Porém, chegou o dia em que o cachorro, muito velhinho, se foi para outra dimensão.

A Nina, folgada, passou a comer a ração na mão dos seus donos.

Sempre companheira, amorosa.

Mas, como todo ser vivo, a única certeza da vida, chegou para ela.

Uma semana que ela se foi.

Quieta.

Deitada num canto da sala.

Apenas com alguns miados baixos.

Como um lamento.

Como um adeus, talvez.

Como um agradecimento, quem sabe.

Foram dezoito anos de vida, uma vida longa se comparada com o seu irmão, o Nick, ou com a Belinha, sua filha. Sim, antes de ser castrada, ela foi mãe.

Vivia dentro de casa, dormia no sofá, na cama, numa cadeira ou na poltrona do papai.

Comia a ração na minha mão.

Estava sempre ao meu lado ou no meu colo quando eu me sentava para ler ou ver televisão.

Quando eu saía no quintal eu a chamava. Ela me acompanhava.

Ela pedia para trocar a sua água. 

Ela tinha um banheiro onde ficava a sua vasilha de areia.

Ela não gostava muito de criança.

Enquanto, lentamente, sua vida se esvaía, eu falava com ela. Agradeci pelo tempo de convivência, pela companhia.

Estou, agora, me acostumando sem o seu miado na porta do quarto, de manhã, bem cedo. 

Estou, agora, me acostumando sem a sua presença na cozinha enquanto eu faço a comida.

O meu consolo é que ela teve uma vida longa e boa. 

Deu e recebeu carinho.

Agora ela repousa eternamente num canto do jardim.

Era uma vez, uma linda gata, chamada Nina, que viveu por dezoito anos e foi uma ótima companheira!



PS: sábado ela ainda subiu no sofá com a minha ajuda e ficou deitada ao meu lado. Comeu o sachê, mas estava fraca e ontem ela comeu um pouco de manhã, depois ficou no canto da sala, no chão, bem quietinha. Falei com ela e ela só deu um miado, penso que não sentiu dor. De vez em quando eu falava com ela e assim ela continuou na mesma posição até que se foi para sempre.

 

 Obrigada pela visita,

    Cidália.

 

 

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Personagens diferentes




 -Vem almoçar comigo?

A foto da mesa arrumada é enviada juntamente com o convite pelo WhatsApp.

Para aquela mulher tudo é motivo de agradecimento.

No dia anterior ela foi receber e aproveitou para ir ao mercado. No sábado fez uma comida gostosa e convidou a amiga para almoçar com ela.

Morar sozinha não a desanima. Pelo contrário, ela gosta de pagar as suas contas, de falar ao telefone, de receber os familiares e os amigos, de cuidar das suas plantas, dos seus marrecos e de fazer guloseimas. Sempre tem alguma coisa gostosa no freezer ou na geladeira para oferecer às pessoas que vão visitá-la. 

No calor dos dias atuais muitas vezes ela perde o sono e se levanta às 3h da madrugada. Senta-se na varanda e aprecia os ares mais frescos. Suas dores a incomodam bastante, porém não a impedem de fazer as coisas. Aos 83 anos de idade ela consegue até mesmo a arrumar a televisão seguindo as instruções do técnico pelo celular.

Enquanto essa senhora é uma inspiração para muita gente, uma outra pessoa bem mais nova, fez da sua casa seu refúgio, não arredando o pé na rua. Essa pessoa ia à igreja aos domingos, acompanhava o marido ao mercado ou saía para resolver alguma situação. Num determinado dia ela resolveu deixar tudo por conta do marido e dos filhos. Não sentiu mais vontade de passear na rua, de olhar as vitrines ou de jogar conversa fora ao encontrar alguma conhecida pelo caminho. Fechou-se no seu mundo. Sentiu-se incapaz. O desânimo tomou conta dela. Declarou que estava com labirintite, que tinha medo de cair na rua. 

Curiosamente as duas personagens tem o mesmo nome. 

Uma não se deixa abater por nada, possui uma fé inabalável.

A outra preferiu se recolher e passar os dias sem sair de casa.

Cada pessoa é como é. 

Nem todo mundo tem a força e determinação da primeira personagem. Ela ainda mantém dentro de si uma jovialidade que nem o espelho mostra o contrário. Ela carrega no rosto um sorriso alegre que nem a dor que sente no corpo é capaz de escondê-lo.

Como seria se as duas personagens se encontrassem um dia? As duas mulheres de nomes iguais e ao mesmo tempo tão diferentes. A única coisa em comum é o nome. 

Uma quer mostrar que ainda tem a mesma disposição de sempre, é ativa, corajosa, vaidosa…

A outra prefere se manter enclausurada. Cada pessoa é como é. Este não é um texto comparativo. É um texto reflexivo. Cada pessoa tem seu jeito de ser e de agir. Todas as pessoas merecem ser tratadas com respeito. Ninguém pode impor aos outros a sua vontade. 

E assim caminha a humanidade.



                                               Obrigada pela visita,

                                                                         Cidália

 

 

 

 

 

sábado, 23 de dezembro de 2023

Empatia

 



Final do ano.

Muitos estão pensando neste exato momento em como este ano voou. A impressão é que a cada ano os dias estão passando rapidamente. O tempo está acelerado.

Muitas vezes dizemos, nossa, parece que foi ontem que fiz tal coisa!

Perdemos a noção do tempo.

Ontem estávamos aguardando o dia de Natal. 

Hoje estamos aguardando o dia de Natal.

Ontem falávamos em confraternização.

Hoje falamos em confraternização.

Nestes últimos dias do ano me pego refletindo sobre muitas coisas.

Entre essas muitas coisas penso nas pessoas boas que aparecem nas nossas vidas. 

Na área da saúde geralmente muitos profissionais atendem com má vontade, talvez pelo fato de estarem cansados, por atenderem tanta gente num único dia, ou porque estão insatisfeitos com alguma coisa. O paciente é apenas um número a mais na sua lista.

Em contrapartida, tem os profissionais que amam o seu trabalho, que sentem empatia pelos pacientes, que chegam até mesmo a criar um vínculo de amizade. 

Quando alguém vai ao consultório médico ou realizar algum tipo de tratamento ou exame é porque precisa, esse alguém não está naquele lugar a passeio. 

Enfim, a reciprocidade é imprescindível. 

O paciente também deve ser educado e respeitar o profissional.

Tem paciente que não aguenta esperar na recepção, chega a ser inconveniente.

Graças a Deus que este ano conheci profissionais atenciosos e comprometidos com seu trabalho. Verdadeiros anjos. Pessoas boas, profissionais capacitados, gentis. Que existam mais profissionais como esses.

Que o amor toque o coração de todos os profissionais, mas principalmente, os profissionais da área da saúde.

Que os pacientes tenham mais paciência e tratem os profissionais com o devido respeito.

Que os profissionais sejam empáticos e tratem os pacientes com o devido respeito. 

 

 

Assim vamos seguindo, com fé e esperança, sempre!

 

 

Feliz Natal e um próspero ANO NOVO!!

 

Obrigada pela visita,

        Cidália.