domingo, 25 de fevereiro de 2018

Arrependimento ll




As mentiras passaram a fazer parte da minha vida, da minha rotina. Eu mentia em casa, para minha namorada e para qualquer pessoa que conversasse comigo.

Também omitia muita coisa, tanto da minha mãe quanto da minha namorada. Edileusa era uma boa moça, de família respeitável, merecia um namorado melhor, honesto e trabalhador. Não merecia alguém como eu.

Concluí o 1º. Grau e consegui um emprego de meio período, das 13 às 17:30h num lavador de automóveis. Comecei a estudar a noite, no antigo colegial e de manhã podia acordar mais tarde.

Era um trabalho legal e eu tinha um salário para gastar como quisesse. O sonho de muitos jovens. Aguentei firme nos dois primeiros meses. Eu usava o dinheiro para manter meu vício sem que ninguém desconfiasse.

Meus “amigos” da pesada continuavam estudando comigo. No terceiro mês de aula chegou um aluno novo que logo se enturmou conosco. Ele era discreto, assim como meus “amigos” e eu.

Entendemos que não podíamos chamar a atenção o tempo todo.

Quando resolvemos nos “separar” na sala de aula e na escola percebemos que deixaram de apontar o dedo para nós quando acontecia alguma coisa.

O dedo passou a ser apontado para um aluno que morava num abrigo e tinha um histórico familiar que inspirava pena. O pai estava morto e a mãe presa.

Com a chegada do novo aluno que veio da capital, conhecemos outras drogas. A dependência foi aumentando. Precisávamos de mais dinheiro. Combinamos roubar o meu local de trabalho. Os meus “amigos” não estavam trabalhando e o dinheiro em casa era contado.

Dei a eles as dicas e consegui fazer uma cópia da chave da entrada. Num final de semana, saí para levar a namorar ao cinema. Foi o que disse à minha mãe. Para Edileusa falei que ia visitar minha irmã mais velha e passaria a noite lá com meus sobrinhos.

Entramos no lava rápido e roubamos o pouco dinheiro que estava numa gaveta da escrivaninha. O dono só levava para casa quando era uma quantia maior. Como era pouco dinheiro roubamos o computador e um aparelho de som.

Na segunda feira quando cheguei os olhares caíram sobre mim. Fui demitido e meu patrão deu queixa na delegacia. Como não havia provas, minha namorada mentiu ao meu favor, não puderam fazer nada contra mim.

- Diogo, só menti que estava com você por causa da sua mãe. O que você fez? Foi você quem roubou o lava rápido?

- Não fui eu, acredite. Pedi para você confirmar que estava comigo no sábado, porque eu fui me encontrar com um amigo que mora no abrigo. Se souberem que eu estava com ele vão achar que somos culpados.

- Mas o que tem de errado em você visitá-lo no abrigo? Se ele mora lá, não vejo nada de mal nisso.

- Acontece que não nos encontramos no abrigo, ele saiu escondido e fomos fumar na beira do rio. Como a mãe dele está presa, poderia ser apontado como meu cúmplice se eu dissesse que estava com ele, entendeu?

Eu precisava tomar cuidado para não ficar enrolado nas mentiras que inventava. Sorte que a Edileusa estava apaixonada e acabava acreditando em mim. Fazia o que eu pedia.

Minha mãe ficou chateada com o meu ex patrão.

- Onde já se viu acusar você de roubo! O que ele pensa? Você é um rapaz de família.

Enquanto isso meus “amigos” entregaram os produtos do roubo para o novo “amigo” que sabia o que fazer com aquilo. Recebemos o nosso pagamento em drogas.

Assim que a poeira abaixou combinamos outro roubo. Dessa vez armamos uma armadilha para que a suspeita caísse sobre o colega do abrigo, o Rodrigo.

Invadimos, num domingo a noite, uma casa que estava fechada; os donos estavam viajando. Levamos o que pudemos carregar. O novo “amigo” pegou o carro escondido do pai para facilitar o nosso serviço.

Marcamos com o Rodrigo para ele se encontrar conosco na praça para jogar cartas. Terminado o roubo eu e mais um “amigo” fomos nos encontrar com ele. Inventamos uma desculpa para o nosso atraso.

- Se vocês demorassem mais um pouco eu já teria ido embora. Estava cansado de ficar aqui olhando para o céu. A lua estava ficando enjoada da minha companhia, ironizou ele.

Jogamos cartas por uma hora mais ou menos e nos despedimos.

Como sempre menti para as duas mulheres que se preocupavam comigo.

Na segunda feira, na hora do intervalo, na escola, um dos meus “amigos” colocou um anel de ouro no bolso do Rodrigo sem que ele percebesse.

A família que tivera a casa roubada chegou em casa na terça feira e chamou a polícia. Encontraram na casa uma caneta esferográfica com o nome do Rodrigo e da escola.

Os produtos roubados não foram encontrados, mas o Rodrigo foi o bode expiatório, além da caneta ser dele; a surrupiamos para incriminá-lo, ainda o anel foi encontrado no bolso da calça dele.

Quando ele falou que estava na praça comigo e com o Augusto (um dos meus "amigos"), nós falamos o horário que chegamos lá e não serviu para inocentá-lo. A polícia chegou à conclusão que o roubo tinha acontecido no domingo porque nesse dia o Rodrigo tinha pedido autorização para sair. Mas, quanto ao horário, ele podia ter cometido o furto antes de chegarmos, a casa ficava nas proximidades.

Como era menor de idade o Rodrigo não foi preso e a polícia continuou investigando para tentar descobrir quem mais estava envolvido, o rapaz não poderia ter roubado sozinho. Ele continuou batendo o pé que era inocente.

Ao saber do ocorrido minha mãe, mais uma vez me defendeu.

- Meu filho, você saiu com a sua namorada para passear na praça nesse dia. O rapaz falou que você estava jogando cartas com ele e outro aluno da turma.

- Ele deve ter me visto na praça com a Edileusa. Fiquei com pena dele e confirmei o que ele disse para a polícia.

- Você é um filho de ouro, tem o coração bom. O rapaz inventou uma história e você confirmou para ajudá-lo. Tenho orgulho de você.

Minha namorada, dessa vez, puxou a minha orelha.

- Por que você falou que ia dormir na casa do seu primo Maurício e estava na praça com um dos seus colegas? Pensei que vocês não andassem mais juntos.

- Não menti para você, fui dormir na casa do Maurício e foi ele quem me convidou para darmos uma volta na praça, daí encontramos os carinhas.

-E por que o Maurício não foi citado na delegacia? Ninguém falou o nome dele pelo que entendi.

- Achei melhor deixar meu primo de fora. Coisas de família. - Cada vez eu me enrolava mais na teia de mentiras. Precisava rever minhas ações. Se a investigação continuasse eu poderia ser pego. Precisava arrumar um jeito de fazer a minha namorada esquecer aquele assunto. Tinha que torcer que a polícia desistisse do caso.

Meu pai e meus irmãos deixaram de pegar no meu pé. Eu tinha a minha mãe que era a minha defensora.

Às vezes eu tinha a impressão que meu pai não ligava muito nem para mim, nem para meus irmãos. Raramente eu o via brincando com os netos. Ele chegava cansado do serviço e só queria descansar. Sempre agiu dessa maneira. Nunca deixou faltar nada para nós, porém não tinha tempo para brincadeiras.

Lembro que eu sentia inveja dos meus amigos que comentavam sobre os domingos que passavam com os pais, jogando bola ou empinando pipa.

Agora meus domingos eram compartilhados com meus “amigos”, usando drogas ou roubando, conforme a nossa “necessidade”.

E assim eu ia levando a vida, vivendo-a com intensidade, sem pensar nas consequências.

Continua...



Obrigada pela visita,

Cidália.


Segue o link da primeira parte da história,


http://contosdacabana.blogspot.com.br/…/02/arrependimento.h…

domingo, 18 de fevereiro de 2018

Arrependimento



Como muitos jovens nunca fui de ouvir os conselhos dos meus pais ou dos meus irmãos mais velhos. Filho caçula, mimado e muito amado pela família, eu sempre tive tudo ao meu alcance. A diferença entre eu e meu irmão do meio, Zequinha, era de dez anos. Nossa irmã, Isabel, a primogênita estava noiva quando nasci. Antes do Zequinha nascer, minha mãe tinha perdido dois bebês. A diferença entre os dois, Isabel e Zequinha era de nove anos.

Por mais que fizessem por mim, nada me satisfazia. Ser paparicado pelos irmãos só piorava meu ego. Eu não gostava de ser tratado como neném.

Aquela vida rotineira cheia de regras não me agradava. Eu detestava ser o melhor aluno, o filho exemplar. A insatisfação era a minha companheira constante. 

- Onde você vai?

- A que horas você pretende voltar?

- Com quem você vai?

- Vê se não demora meu filho!

- Se quiser esperar eu te levo.

- Acho melhor você ficar em casa.

- Por que seus amigos não vêm aqui?

Consegui ser um ótimo filho durante a infância, agradando sempre meus pais, devido às encheções. Minha paciência tinha limites e depois dos meus ouvidos ficarem cansados, eu acabava desistindo  de sair de casa.

Porém, na adolescência meu comportamento começou a mudar. Ou, melhor, a revolta que estava instalada no meu âmago, começou a aflorar.

Volta e meia eu estava de saco cheio, irritadiço e respondia meus pais, meus professores. Não aceitava conselho de ninguém.

- Pô, mãe, por que não posso sair sozinho? Cansei de ser motivo de chacota, de ser chamado de filhinho da mamãe.

Se um dos meus irmãos mais velhos chamava a minha atenção eu respondia à altura.

- Cuide da sua vida, você não é meu pai.

- O papai está trabalhando e quando souber que você está respondendo a mamãe vai te deixar de castigo por um bom tempo.

- A mamãe não é dedo duro, ele só vai ficar sabendo se você e a Isabel forem fofocar.

- A Isabel tem os filhos dela para cuidar, não tem tempo para ficar se preocupando com você, moleque.

Quando um professor olhava feio para mim eu logo questionava.

- O que foi que eu fiz desta vez?

Comecei a me enturmar com uns alunos da pá virada como eram chamados pelos educadores. A partir daí, aprendi a fumar. O dinheiro que eu levava para comprar lanche era usado para comprar cigarros. 

Quando tinha aula vaga pulávamos o muro no fundo da escola para matar o restante das aulas. Ouvir o blá blá de certos professores não era interessante para nós. 

Nessas saídas, começamos a aprontar. Pequenos furtos eram cometidos pela minha turma. No início, coisas sem importância, só pelo fato de zoação mesmo.

Mais tarde, quando meus pais deixaram de me dar o dinheiro para o lanche porque descobriram (numa reunião de pais) que eu estava matando aula e quiseram me castigar, os furtos foram se tornando maiores.

Eu e meus novos amigos precisávamos de dinheiro para comprar o cigarro e logo em seguida, a droga. Quanto maior a dependência, maior o furto.

Éramos espertos e sempre conseguíamos nos safar. Não deixávamos rastros.

E por muito tempo tudo correu bem. Haviam desconfianças, mas nenhuma prova.

Afinal, existiam outros menores infratores na cidade.

Em casa a minha rebeldia foi aumentando, mas mesmo assim minha mãe me defendia. Ela achava que minhas atitudes eram infantis e logo eu mudaria.

- Será que não é melhor colocar esse menino na escola particular? - Meu pai perguntou, um dia, para minha mãe.

- Isso é só uma fase, logo vai passar. – Ela dizia para meu pai e meus irmãos.

Arrumei uma namorada para disfarçar. Sem saber ela ajudava a encobrir minhas escapadas.

Era uma moça bonita, estudiosa e muito simpática. Conquistou a minha mãe logo de cara. Foi muito fácil mentir tanto para uma como para outra.

- Mãe, vou levar a minha gata para dar um passeio.

- Amor, essa noite não vou poder te encontrar porque preciso estudar para a prova de amanhã.

As duas eram ingênuas e acreditavam em mim. Eu saía e aprontava com meus “amigos”. No dia seguinte, ouvia os comentários sobre determinado furto e fingia surpresa em casa e na escola. 

Para mantermos a aparência combinei com a turma de nos separarmos na escola.  Na sala de aula, sentamos bem distantes uns dos outros. Mal nos cumprimentávamos e nos trabalhos em grupos mantínhamos distância. Nossa performance era tão boa que os educadores acreditaram. Até fingi ser um bom aluno, atencioso e participativo.

- Estou gostando de ver que você criou juízo meu filho. A namorada fez bem a você.

- Hoje nós vamos ao cinema e depois vamos comer uma pizza.

- Pode trazê-la aqui em casa quando quiser, você só a trouxe umas duas vezes aqui, nem tivemos tempo de conversar sozinhas.

Ah, se a pobre mulher imaginasse o que se passava pela cabeça do filho!

Tudo o que ele não queria era que sua mãe ficasse a sós com sua namorada. Ele a conhecia muito bem e sabia que ela encheria a moça de perguntas. Nada poderia colocar em risco suas atividades noturnas.


Continua...


PS: ilustração feita pelo meu sobrinho Marcos Wagner.


Grata pela visita e comentário!


Cidália.















domingo, 11 de fevereiro de 2018

Saudosismo

                                                         

Ouvindo os clássicos do carnaval numa rádio da SKY, bateu uma enorme saudade da época em que as marchinhas faziam a alegria daqueles que gostavam da folia. Uma folia onde as pessoas improvisavam suas fantasias e se divertiam até de madrugada.

Uma época em que não havia preocupação com assaltos e roubos. Claro que rolavam “coisas” entre alguns foliões, mas discretamente. Certamente a droga e a bebida estavam presentes em algumas rodinhas, como sempre, em qualquer balada.

Porém, à turminha animada só interessavam as músicas e as paqueras. Bons tempos ao som de “Olha a cabeleireira do Zezé”; “Mamãe eu quero, mamãe eu quero”; “Estrela Dalva no céu desponta”; “Bandeira branca amor eu peço paz”; etc.

Um pedaço de pano e um saco de linhagem viravam belas fantasias. Na falta do dinheiro a criatividade era colocada em prática.

Até mesmo quem não sabia dançar, quando pisava no salão pulava carnaval acompanhando o ritmo da música.

Quatro noites de folia, quatro noites de muita alegria. 

Tem pessoas que dizem que o que passou, passou. Que temos que viver o presente. Sim, mas o que seria de nós se não tivéssemos as lembranças? Afinal, recordar é viver! Ainda mais quando os momentos foram bons e marcantes.

Nada contra a evolução, há muito samba enredo bom! Quem não gosta de samba bom sujeito não é, ou é ruim da cabeça ou doente do pé. Mais um trecho de música que veio à minha mente.

Muitas pessoas preferem aproveitar o feriado para curtir uma praia ou ficar em casa para descansar da correria diária.

Se você não conhece as marchinhas carnavalescas deixarei algumas letras para que conheça.

                                                                  ALLAH-LÁ-Ô (Haroldo Lobo-Nássara, 1940)

Allah-lá-ô, ô ô ô ô ô ô

Mas que calor, ô ô ô ô ô ô
Atravessamos o deserto do Saara
O sol estava quente
Queimou a nossa cara


Viemos do Egito

E muitas vezes
Nós tivemos que rezar
Allah! allah! allah, meu bom allah!
Mande água pra ioiô
Mande água pra iaiá

Allah! meu bom allah  


AURORA (Mário Lago - Roberto Roberti - 1940)

Se você fosse sincera 
Ô ô ô ô Aurora
Veja só que bom que era 
Ô ô ô ô Aurora


Um lindo apartamento
Com porteiro e elevador
E ar refrigerado
Para os dias de calor
Madame antes do nome
Você teria agora
Ô ô ô ô Aurora


ABRE ALAS (Chiquinha Gonzaga, 1899)


Ó abre alas que eu quero passar
Ó abre alas que eu quero passar
Eu sou da lira não posso negar
Eu sou da lira não posso negar



Ó abre alas que eu quero passar
Ó abre alas que eu quero passar
Rosa de ouro é que vai ganhar
Rosa de ouro é que vai ganhar


 Ô BALANCÊ (Braguinha-Alberto Ribeiro, 1936)


Ô balancê balancê
Quero dançar com você
Entra na roda morena pra ver
Ô balancê balancê



Quando por mim você passa
Fingindo que não me vê
Meu coração quase se despedaça
No balancê balancê



Você foi minha cartilha
Você foi meu ABC
E por isso eu sou a maior maravilha
No balancê balancê



Eu levo a vida pensando
Pensando só em você
E o tempo passa e eu vou me acabando
No balancê balancê


MAMÃE EU QUERO (Jararaca-Vicente Paiva, 1936)


Mamãe eu quero, mamãe eu quero
Mamãe eu quero mamar
Dá a chupeta, dá a chupeta
Dá a chupeta pro bebe não chorar



Dorme filhinho do meu coração
Pega a mamadeira e vem entrá pro meu cordão
Eu tenho uma irmã que se chama Ana
De piscar o olho já ficou sem a pestana



Olho as pequenas mas daquele jeito
Tenho muita pena não ser criança de peito
Eu tenho uma irmã que é fenomenal
Ela é da bossa e o marido é um boçal


PS: letras copiadas do site https://www.suapesquisa.com/carnaval/marchinhas_carnaval.htm

Sinta-se à vontade para dar a sua opinião sobre o assunto.

Abraços, 

Cidália.